20/03/2008
A Dublagem de Sawyer
Recentemente, assistindo ao desenho (hilário, diga-se de passagem) "Os Padrinhos Mágicos, tanto meu marido como eu começamos a perceber o quanto a dublagem do personagem Cosmo é boa! O ator/dublador faz um excelente trabalho! É muito bom!
Curiosa para saber mais sobre esse trabalho de dublagem, fui pulando de site em site, até chegar no blog pessoal do dublador Guilherme Briggs, que além de Cosmo, dubla Denzel Washington em vários filmes, o Buzz Lightyear de Toy Story e me deparei com esse texto super legal sobre seu trabalho com a dublagem do bad boy Sawyer de Lost.
Vejam só que legal: (texto reproduzido na íntegra, tirado do blog do dublador - clique em seu nome para ser direcionado ao blog)
"Recebi esta semana um e-mail do querido Luiz Antônio Duarte Souza, que sempre prestigia e participa aqui do Blog. Primeiramente, quero agradecer o carinho e dizer que adorei sua mensagem e que vou comentá-la após o seu texto, que publico logo abaixo:
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"Iaê, Tio Briggs! :D Eu avisei no seu blog que eu ia mandar uma sugestão no início da semana e só agora, no domingão, que eu tô tendo tempo! :P
(...) Eu achei que a sua dublagem de Sawyer ficou muito boa! Embora ache que a voz não tenha combinado 100%, a interpretação e a adaptação cobriu toda essa — pouca, diga-se de passagem — incompatibilidade! Creio que não poderiam ter escolhido dublador melhor, embora eu seja meio suspeito de falar... Hehehheheheh
Bom, vamos ao ponto... Eu acho que uma coisa que você poderia colocar na sua dublagem de Sawyer, pra deixar ela mais "a ver" com o personagem ainda, é dar uma "caipirada" em algumas catch-phrases como, por exemplo, no "Sardenta", falar meio como no interior, "Sa(érre americano)denta", entende? Pô, você é o mestre em usar outros sotaques e mudar a voz nas dublagens, isso não seria nada mal! :D Além do mais, o Sawyer — como você deve saber, sendo tão fã quanto eu sou — é um redneck, um caipira texano! Mas, como disse, só às vezes... Não precisa deixar ele parecendo um daqueles texanos que passa o dia coçando o saco e tocando viola... Ahuahuauhuhahua. Aguardo resposta! Mas, sem pressa, quando puder! :D"
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Querido Luiz, o meu interesse, não só como dublador profissional, mas como fã de LOST e do personagem SAWYER é sempre fazer o máximo possível para trazer qualidade ao meu trabalho. Recentemente, meu grande amigo Sérgio Cantú (a voz de Sam Witwicky no filme Transformers) me fez uma crítica muito legal, me aconselhando a segurar a voz e a emoção em algumas cenas, o que concordei, pro Sawyer não ficar muito esganiçado quando grita ou se desespera ou mesmo fofinho demais em algumas sequências mais engraçadas. Devo sempre levar em consideração a amargura, o sofrimento que Sawyer carrega dentro de si, se punindo, numa purgação pessoal voluntária e estar sempre consciente desses problemas. Já estou mudando isso no quarto ano, aos poucos fazendo a transição.
O grande problema do estilo mais caipirão do interior do Texas, dar uma diferenciada nos “Rs” do Sawyer é que este não fique somente engraçado, mas que seja uma característica do personagem, intrínseca dele, natural, que não vire uma caricatura pura e simplesmente, caindo pro nosso mineiro ou pantaneiro (de Mato Grosso). Muitas vezes, a gente pode ganhar isso com a interpretação, com a musicalidade e forma de falar, sem precisar trabalhar os “Rs” das palavras, como em “saRdenta”.
Eu meio que contorno o sotaque texano dizendo minhas falas como se ele estivesse sempre a ponto de resmungar ou reclamar alguma coisa, como se certas palavras demorassem pra sair, enquanto que outras são despejadas, sem dó nem piedade. Acho que o fundamental no Sawyer é o tempero, a forma como ele valoriza e apimenta certas inflexões, como pontua e enfatiza palavras, sempre com muito escárnio e malícia. Aliás, a malícia está sempre presente em quase 99% dos diálogos do nosso querido loiro trambiqueiro. Mesmo quando ele não deseja ser malicioso, acaba sendo, seja para provocar ou por puro cacoete (ou vício). Ele mesmo se sabota, como já percebemos na evolução da série.
Veja que isso não pode jamais ser técnico demais, para não perder a espontaneidade, pra jamais ficar artificial. O que posso fazer, seguindo seu conselho, é dar um ar mais interior nele, mais seco e rascante, mais grosso em determinados pontos e ainda mais sacana, sem cair no fofo em outros. É complicado de explicar pois é tudo bem subjetivo, mas entendi perfeitamente o que você me sugeriu e achei muito interessante. Pretendo aplicar mais a musicalidade e a porção rabugenta-interiorana e ver o resultado aos poucos.
Vou dar um outro exemplo complicado de adaptação, sem deixar cair no óbvio ou na caricatura: o britânico. Como a gente consegue transpor um típico inglês, com todo o seu estilo peculiar de falar? Não podemos abusar de sotaques, inflexões rebuscadas ou deixar mais pomposo, falando as palavras com dicção perfeita e musicalidade aristocrática, pois pode virar um clichê, uma muleta barata de interpretação. O grande segredo é descobrir a ALMA do personagem e a partir daí, trabalhar as energias que movimentam o mesmo.
Um ator que eu adoro observar é o Daniel Day-Lewis; que realiza verdadeiros e geniais laboratórios delicados, destrinchando tudo, mergulhando profundamente na psique de seus personagens e estudando com afinco e hercúlea concentração todas as motivações, idiossincrasias e emoções, levando em conta o passado e as influências, sejam elas históricas, sociais e até mesmo geográficas. Você meio que "veste" a alma de quem interpreta e acaba pensando como o personagem, deixando tudo sair naturalmente, com vida e, acima de tudo, muita verdade. Procuro seguir esse caminho sempre, me aprimorando e aprendendo com o que não deu certo. Tendo uma visão "gestáltica" de tudo, na medida do possível e de minha sensibilidade, claro.
Bom, esse papo todo me deu uma sede danada. Aproveita que o doutorzinho não tá perto, Sardenta, coloca aquele teu vestidinho e chega mais no meu cafofo... Ah sim, e vê se me traz uma cerveja Dharma estupidamente gelada se encontrar alguma escotilha aberta no mato! ^__^"
Muito bom, né? Parabéns, Guilherme pelo ótimo trabalho e por mostrar como o trabalho de dublador é bem mais complicado do que se imagina por aí.
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